O Pão Que Herdámos: Histórias de Folares, Bolas e Memórias Que Não Se Esfarelam

 O Pão Que Herdámos: Histórias de Folares, Bolas e Memórias Que Não Se Esfarelam

Há coisas que se aprendem com tempo, outras com as mãos. E depois há o pão.O pão, esse, aprende-se com a alma.

Lembro-me do som da massa a ser sovada com força, da farinha no ar, do calor do forno a lenha e das mãos da minha mãe — ou da mãe dela — a virarem o tempo em alimento. As minhas memórias vagueiam muitas vezes pelo forno comunitário de aldeia. São Pedro de Vale do Conde de onde a minha mãe e a minha avó Aurélia eram naturais.

Não havia receita escrita.
Havia um saber que vinha do gesto, do olhar, da espera.
Uma bola sovada era o resto da masseira, os arrebanhos, para que nada se desperdiçasse . Era sinal que se tinha feito uma fornada de pão.
O folar de carne não era só carne e massa: era Páscoa, era partilha, era honra à casa.

E os doces económicos… esses eram a doçura possível de tempos difíceis.
Feitos de pouco, feitos com tudo.

Havia pão de centeio que aguentava dias, tantas vezes me lembro do que fazia a minha tia Hortensia.
Pão de trigo para quem podia.
Folares doces que perfumavam a casa com canela e laranja.
Empadas que fechavam histórias dentro de si.

E nada disso se media a gramas.
Media-se a afeto, silêncio e saudade.


Hoje, olho para tudo isso e percebo que não é apenas sobre receitas.
É sobre guardar o que nos fez gente.
Sobre não deixar morrer aquilo que se fazia com paciência, com intenção e com respeito.

Talvez por isso eu tenha começado a escrever.
Não apenas para ensinar como se faz.
Mas para que quem venha depois ainda saiba por que se fazia. Em breve, cada uma destas receitas terá um espaço só seu.

Com o passo a passo, sim. Mas também com a história que a trouxe até aqui.

Porque o pão não é só farinha e água.
É memória viva. Hoje acendeu-se novamente essa memória aqui por casa. Fez-se pão. Honraram-se memórias.

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