O Ouro das Oliveiras – Azeite, Território e Alma de Trás-os-Montes
O Ouro das Oliveiras – Azeite, Território e Alma de Trás-os-Montes
Em Trás-os-Montes, o azeite não é apenas tempero. É tempo. É terra. É testemunho.
Nas encostas agrestes onde o sol queima devagar, as oliveiras fincam raízes fundas como as gentes que as cuidam. São árvores que sabem esperar. Que resistem. Que guardam, nos seus ramos tortos e sábios, o segredo das estações.
Houve um tempo em que a apanha da azeitona era feita à mão, em silêncio, com respeito. Mulheres de lenço na cabeça e homens de voz rouca estendiam mantas sob as árvores, e cada fruto caía como se fosse bênção. As mãos gretadas, o frio entranhado nos ossos, e mesmo assim, um brilho nos olhos: sabiam que dali nascia o ouro. Um ouro verde, denso, espesso, cheiroso, que iluminava as candeias e temperava a vida.
Nas casas de pedra, ao cair da tarde, acendia-se o lume e punha-se o pão ao fogo. O azeite, ainda morno do lagar, era vertido sobre as fatias grossas, com uma pitada de sal ou alho esfregado. A torrada de azeite era mais do que alimento — era ritual. Era sustento de corpo e alma.
As lagaradas juntavam o povo. Era festa e trabalho, era partilha. O lagar fumegava, azeitona moída pelas pedras, e os olhos atentos de quem sabia o ponto certo, a pressão exata, o momento da decantação. E no fim, o caldo dourado corria como bênção pelas talhas. Chegava-se a provar com colher de pau, como quem prova um milagre.
Na dieta mediterrânea, hoje tão aclamada, o azeite ocupa lugar sagrado. Não apenas pelo seu sabor ou pelos benefícios para a saúde — que são muitos —, mas porque é raiz. Porque é história líquida. Reduz o mau colesterol, protege o coração, alimenta a pele, sim... mas sobretudo alimenta memórias. De avós que viviam com pouco, mas com mesa farta. De almoços de bacalhau regado generosamente. De crianças que molhavam o pão diretamente no prato da sopa.
Hoje, novos produtos brotam desta herança: sabonetes artesanais, cosméticos naturais, conservas de legumes e cogumelos, azeites aromatizados com alho, louro, malagueta. Reinventamos a tradição, mas o coração é o mesmo.
O azeite é mais do que um ingrediente. É uma linguagem antiga que se fala com o paladar. Uma ligação direta à terra que nos fez. Um elo invisível entre gerações.
Quem prova um bom azeite transmontano sente a alma do território a pulsar.
E há coisas assim: que não se explicam — saboreiam-se.
Como o silêncio do olival.
Como o calor do pão com azeite numa manhã de inverno.
Como a lembrança de quem já partiu, mas ainda vive no cheiro da cozinha e na cor do lume.
Porque enquanto houver oliveiras, haverá memória.
E enquanto houver azeite, haverá encanto.
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